Valdir Cardoso/
Vai direto para julgamento do plenário do STF (Supremo Tribunal
Federal) a ação movida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra as normas estaduais sobre uso de
depósitos judiciais pelo Executivo em cinco estados, entre eles, Mato Grosso do
Sul. Foram ajuizadas cinco ADI (Ações Diretas de Inconstitucionalidade).Os outros estados que tiveram ações
ajuizadas são Alagoas, Rio Grande do Sul, Amazonas e Goiás". A informação consta em publicação do Site MidiaMax, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul e de outras publicações nacionais. A LC 201/15 aprovada por unanimidade pela Assembleia Legislativa, permitindo que o governador Reinaldo Azambuja da Silva sacasse a importância de 1,419 bi referentes a 70% do total dos recursos dos depósitos judiciais, onde aconteceu uma estranha deturpação da LC 151 idealizada pelo PSDB e sancionada pela presidente Dilma, permite que Estados e município assumam o equivalente a 70% dos depósitos judiciais referentes à ações em que os entes federativos sejam parte e não do total dos recursos, que até então eram totalmente geridos pelo Poder Judiciário. Na ação o Procurador Geral da República pede a imediata devolução dos recursos já utilizados em grande parte pelo Governo do Estado.
A AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros - ingressou com Ação de inconstitucionalidade da Lei Federal, a LC 151/15, antes mesmo do governador sancionar a LC 201, aprovada de afogadilho e por unanimidade pelo Legislativo, com o registro do estranho fato da ausência dos parlamentares do PSDB, pois já estava acertada a aprovação com os votos das bancadas do PT, PMDB e pequenos partidos.
Logo em seguida ao ingresso da ação da AMB, o professor universitário e jurista de renome Dr. Fernando Facury Scaff publicou artigo na Revista Consultor Jurídico - www.conjur.com.br/- O mais completo veículo independente de informação sobre Direito e Justiça em língua portuguesa, que transcrevemos na íntegra, alertando inclusive que o governador Reinaldo Azambuja acabara de sancionar a LC 201/15 que "simplesmente" regulamentava a Lei Federal (?) que acabou se transformando em um "monstrengo jurídico", que permitiu que uma Lei Estadual de autoria do governador e por ele sancionada fosse superior auma Lei Federal. A alterção permitiu que o Estado "abocanhasse" a bagatela de 1,419 bi dos depósitos judiciais, se transformando em um empréstimo compulsório completamente ilegal.
Muitos dos argumentos do Procurador Geral da República, coincidem com os pontos levantados pelo professor Facury Scaff, conforme fica constatado no artigo abaixo que trasncrevemos no dia 9 de outubro de 2015, quando toda a imprensa de MS fazia vistas grossas à ilegalidade que estava sendo cometida.
Depósitos
Judiciais, Litigância e a “Regra do Ouro” Financeira
Tinha razão
Tom Jobim quando disse que o Brasil não era um país para principiantes.
Vejam
só: a presidente Dilma sancionou a Lei Complementar 151, em 5 de agosto de
2015, que determina que os depósitos judiciais e administrativos realizados em
dinheiro, envolvendo matéria tributária ou não, nos quais os estados, Distrito
Federal e municípios sejam parte, deverão ser efetuados em instituição
financeira que, obrigatoriamente, transferirá 70% do depósito aos cofres desses
entes federativos, que serão usados para pagamento de precatórios em atraso,
despesas de capital ou fundos de previdência (artigo 8º), sendo permitido usar
até 10% do montante para abastecer o fundo garantidor de PPPs (artigo 7º,
parágrafo único). Consta que o principal interessado nessa leié o estado de São Paulo, e que a
mesma teve apoio do governador Geraldo Alckmin e do senador José Serra. O
decreto paulista liberando os recursos já foi até publicado. O foco do
debate parlamentar é que mais de R$ 21 bilhões “estocados” serão liberados para
que esses entes federados cumpram seus compromissos financeiros, e cerca de R$
1,6 bilhão serão liberados ao ano, todos os anos. Convenhamos que essas cifras
não representam trocados.
Todavia, ao mesmo tempo, o ministro
Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no seio da ADI 5072, convocou a
realização de uma audiência pública para discutir a utilização de
parcela dos depósitos judiciais para quitação de precatórios, pois, por meio
dessa norma, o estado do Rio de Janeiro é autorizado a utilizar os depósitos
judiciais para pagamento de
precatórios até o limite de 70%.
Voltando à
estupefação de Tom Jobim: como é que, ao mesmo tempo, é sancionada uma lei que
dispõe sobre o mesmo assunto que é contestado através de ADI perante o STF,
sendo, inclusive, convocada uma audiência pública para melhor analisar a
matéria no âmbito jurisdicional? Realmente, esse país não é para principiantes.
O
tema é importantíssimo sob vários aspectos e justifica a preocupação do
ministro Gilmar Mendes em convocar a audiência pública para debater a matéria.
Vou tentar expor alguns aspectos muito preocupantes que certamente aflorarão no
debate.
Qual
a operação foi desenhada, seja pela Lei Complementar 151, seja pelas diversas
leis estaduais que estão sob a mira do STF?: liberação dos depósitos judiciais
já existentes e dos que vierem a ser realizados para fazer frente a despesas
correntes, principalmente gastos com precatórios. Depósitos judiciais não são
receitas públicas, mas ingressos. Ingressos não são receitas; eles
apenas transitam pelos cofres públicos. Receitas correspondem a valores que
acrescem o patrimônio público. Outra coisa são despesas correntes, como o
pagamento de precatórios, em especial os atrasados, que, em face dessa(s)
norma(s), serão quitados com valores que não se caracterizam como receitas, mas
como meros ingressos. Em apertada síntese: com essa norma, os estados e
municípios vão pagar despesas correntes com ingressos, e não com receitas.
Ingressos devem ser devolvidos; receitas, não.
Regis de Oliveira expôs esse
mecanismo em texto que circulou dias atrás.
A simples descrição dessa operação demonstra o absurdo da medida, pois foi
criada uma espécie de empréstimo entre o Tesouro Público dos estados e
municípios, e todos os depositantes judiciais. Não estou falando da figura
tributária do empréstimo compulsório previsto no artigo 148 da Constituição.
Falo de um empréstimo público, que aumenta a dívida pública, e que
obrigatoriamente deve ser contabilizado como dívida nos registros desses entes
públicos, o que seguramente vai extrapolar os limites estabelecidos pelo Senado
Federal para seu endividamento (artigo 52, VI, CF). Na verdade, esses limites
já foram explodidos, pois algumas dívidas públicas não são devidamente
contabilizadas, como a dos estados com as empresas exportadoras, que possuem o
direito constitucional (artigo 155, parágrafo 2º, X, “a”) de reaver o
saldo credor de ICMS, que não é pago ou o é a conta-gotas, conforme expus
em outra coluna.
Logo, o que essa norma está fazendo é permitir a criação daquilo que os
economistas chamam de “quase moeda”, ou seja, um meio de pagamento equivalente
à moeda, tal como os depósitos remunerados da caderneta de poupança. Isso
permitirá que estados e municípios aumentem o meio circulante por meio desse
endividamento, em uma operação que, na prática, lhes permitirá emitir moeda,
podendo, em alguns casos, se beneficiar de uma válvula processual. Explico
melhor.
Suponhamos a seguinte situação, que não é fruto de singela imaginação. Um
estado cria uma espécie de taxa de fiscalização que atingirá um número
determinado de contribuintes. Usarei como exemplo uma Taxa de Fiscalização de
Recursos Minerais (TFRM), que atingirá fortemente o setor empresarial da
mineração, ou uma Taxa de Fiscalização de Recursos Hídricos (TFRH), cujo foco é
o setor hidrelétrico.
O debate seguramente será judicializado, por várias razões jurídicas
relevantes, mas a suspensão da exigibilidade do tributo só ocorrerá através da
concessão de garantias, que, muitas vezes, são exigidas em dinheiro, e não sob
a forma de seguro-garantia ou fiança bancária — basta ver a expectativa de
existir R$ 1,6 bilhão de recursos depositados judicialmente a cada ano. Assim
que a empresa depositar, 70% do montante será imediatamente levantado por
aquele estado que criou a exação e os recursos serão desde logo utilizados. Se,
ao final do processo, o estado for derrotado e tiver que devolver o montante
depositado, o governador e a Assembleia
Legislativa já serão ocupados por outras pessoas, e o problema foi repassado.
Para usar uma expressão usual, o problema fiscal será “pedalado”. Será
um problema para o futuro, para as futuras gerações. Eis porque a questão da
dívida pública sempre traz um problema intergeracional, não podendo jamais ser
pensada para resolver problemas de despesas correntes.
O que exemplifiquei com estados será seguramente amplificado com a extensão
dessa possibilidade para os 5.500 municípios brasileiros, cujo nível de
responsabilidade fiscal é bastante duvidoso. Conversava dias atrás, durante o
XIV
Congresso Internacional de Direito Tributário de Pernambuco, organizado pela
professora Mary Elbe com o colega Eduardo Maneira, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), e ele comentava sobre uma curiosa taxa de fiscalização
sobre a rede elétrica criada por certo município, que, na prática, cobrava determinado
valor sobre cada poste de eletricidade existente naquela cidade. Seguramente a
fiscalização serviria para constatar que os postes não sairão correndo pela
cidade e levando a fiação elétrica consigo...
A Associação dos Magistrados
do Brasil ingressou com ADI para obter a declaração de inconstitucionalidade da
Lei Complementar 151. Trata-se daADI 5361, na qual se alega que aquela lei
complementar fere a separação de poderes, viola o devido processo legal e cria
um empréstimo compulsório fora das hipóteses legais. O relator é o ministro
Celso de Mello, que já despachou acatando a Ordem dos Advogados do Brasil
como amicus curiae, porém nada disse ainda acerca do pedido liminar
requerido.
Quanto ao litígio contra as leis estaduais que adotam normas semelhantes, além
da ADI 5072 que
ensejou a audiência pública acima referida, relativamente ao estado do Rio de
Janeiro, existe a ADI 5353, contra lei do estado de Minas Gerais, além de
outras ADIs propostas contra o estado da Paraíba (ADI 5365), o estado da Bahia
e o estado do Paraná, segundo notícia veiculada nesta ConJur.
Outros estados possuem leis semelhantes, sendo que o debate sobre sua
constitucionalidade pode ainda não ter sido levado ao STF. A discussão, com
algumas variações dentre cada lei estadual, é centrada no mesmo ponto:
utilização dos depósitos judiciais pelo Poder Executivo estadual para a
quitação de dívidas.
A novidade da Lei Complementar 151 é a permissão desse procedimento pelos
municípios — além de chancelar a conduta dos estados. O STF já entendeu na ADI
3458, cujo relator foi o ministro Eros Grau, que a matéria de depósitos
judiciais é de competência legislativa exclusiva do Poder Judiciário, em que se
discutia lei do Estado de Goiás. E na ADI 2909, cujo relator foi o ministro
Ayres Britto, referente à lei do estado do Rio Grande do Sul, foi decidido que
se trata de matéria reservada à iniciativa legislativa da União.
Aliás, a Lei Federal 9.703/98, que adotou prática semelhante para a União, foi
julgada procedente na ADI 1.933, que teve por relator o ministro Eros Grau.
Nesse julgamento, houve debates sobre a pertinência dessas normas para os
estados, porém, como não se tratava do objeto sub judice, nada foi
deliberado acerca desse aspecto, exceto a preocupação com eventual indisponibilidade
de recursos em caso de o vitorioso na lide vier a levantar os recursos, e não
haver caixa disponível para honrar o compromisso. Esse debate se transformou
em obter dictum.
Deve-se observar que existem outros interesses subjacentes ao que acima foi
exposto, pois há uma guerra pela titularidade desses recursos, entre o Poder
Judiciário e o Poder Executivo desses estados. O Poder Executivo pretende usar
esses depósitos para quitar dívidas com precatórios e outras despesas, enquanto
que o Poder Judiciário deseja manter esses recursos sob sua tutela também
porque recebe o spread bancário sobre seu uso, sendo esses
recursos carreados para fundos administrados por esse poder. Esse é o ponto
central que justifica a entrada da AMB nesse litígio. Ocorre que o Poder
Judiciário não usa os recursos, mas apenas o spread bancário;
enquanto o Poder Executivo usará os recursos para pagamento de despesas. Entre
a cruz e a caldeirinha, viva o Poder Judiciário.
O fato é que o uso desses recursos para pagamento de precatórios e outras
despesas semelhantes liberará uma fortuna para outros gastos livres, e é
exatamente isso que buscam os gestores desses entes federados. Os litigantes,
em processos contra o Fisco, correm o risco de ver os depósitos que realizaram
virar pó, em face do descasamento do prazo entre o uso dos recursos pelo poder
público e a longa duração do processo. Se e quando forem levantar o dinheiro,
pode ocorrer de dinheiro não mais haver — dele só restar uma fotografia na
parede (como Itabira, de Carlos Drummond de Andrade), ou uma série
de despachos judiciais. E esses litigantes, vencedores em processos judiciais
transitados em julgado, com direito ao levantamento dos depósitos judiciais que
realizaram, terem que entrar em uma fila de precatórios para receber o que lhe
será devido.
Se eu tivesse "tinta na caneta", não permitiria aos entes federados
utilizar o dinheiro dos depósitos judiciais. Como advogado, sei que todos os
argumentos devem ser levados ao Poder Judiciário, que acatará uns e afastará
outros. Logo, estrategicamente, tudo que tiver a mais remota correlação com o
caso em debate deve ser apresentado nas petições. Portanto, acresceria mais um
argumento aos já expendidos nas diversas lides em curso, e que me parece de
muito especial importância.
A infringência constitucional, segundo entendo, está no artigo 167, III, que
consagra a “regra de ouro” do Direito Financeiro, e que estabelece que só podem
ser contraídas dívidas para gastos em despesas de capital. No caso, como referido,
os depósitos judiciais poderão ser usados para o pagamento de precatórios e
para a quitação de dívidas com fundos de previdência — isto é, para gastos com
despesas correntes.
Logo, não se pode fazer dívida para realizar despesas correntes. Aí está a
gritante inconstitucionalidade dessas leis estaduais e da Lei Complementar
151/15. Não se trata da espécie tributária empréstimo compulsório na forma do
artigo 148, CF, mas de um empréstimo público, tomado por estados e municípios
de todos os depositantes judiciais, que deve ser devolvido, e que será
utilizado para gastos correntes, o que viola a regra de ouro financeira,
prevista no artigo 167, III, CF, o qual determina que o endividamento só pode
ocorrer para a realização de despesas de capital.
Eis mais um ponto a ser debatido por quem for participar da audiência pública
convocada em boa hora pelo ministro Gilmar Mendes, o qual, seguramente, não faz
parte do grupo de principiantes mencionados por Tom Jobim, citado no início
desse texto.
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