Conforme publicamos em nosso blog no dia 09 de outubro último, artigo sob o título "PEDALADAS PANTANEIRAS: MS PODE PERDER VERBA DOS DEPÓSITOS JUDICIAIS", alertando para o perigo do Estado utilizar recursos que não lhe pertenciam, uma vez que a LC (Lei Complementar) 151/15 aprovada pelo Congresso Nacional estava, como está sendo contestada pela AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros - impetrou Ação de Inconstitucionalidade da Lei sancionada pela presidente Dilma, confirma-se hoje a veracidade das nossas afirmações conforme ampla reportagem publicada hoje pelo jornal Correio do Estado sob o título: JUSTIÇA FEDERAL: CAIXA CONSEGUE BLOQUEAR PARTE DA "BOLADA" DAS CONTAS JUDICIAIS". Informa o jornal que a CEF conseguiu na justiça o bloqueio de R$ 611 milhões dos 1,419 bilhões transferidos do Tribunal de Justiça para os cofres do tesouro estadual. O governador Reinaldo azambuja conseguiu, através de intensa pressão, aprovar uma Lei (LC 201/15) pela Assembleia Legislativa aumentando a abrangência da LC 151/15 que permitia a transferência de parte dos depósitos judiciais nos quais o Estado fosse parte conseguindo AVANÇAR sobre todo o montante da verba que estava sob a administração do TJ/MS.
SEM PREJUÍZOS PARA O JUDICIÁRIO
Para conseguir a proeza de contar com este inesperado reforço de caixa, a equipe econômica do governador Reinaldo azambuja convenceu a totalidade dos deputados estaduais e o Tribunal de Justiça de MS a abrir mão da posse, como guardião dos depósitos judiciais, usando argumentos diferentes, porém plenamente contestáveis. Aos parlamentares foi assegurado que "sem os recursos dos depósitos judiciais" o Estado não conseguiria quitar a folha de dezembro e muito menos o 13º dos servidores estaduais, sensibilizando a todos que votaram por unanimidade e na base do afogadilho. Ao Poder Judiciário, que usava a remuneração bancária sobre o montante dos depósitos administrados pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica para custear uma série de despesas de responsabilidade daquele poder.
Na verdade, os recursos provenientes dos depósitos judiciais não podem ser usados para o pagamento da folha mensal ou do 13º dos servidores, pois a LC 151/15 permite a sua utilização para o pagamento de dívida dos Estados e municípios para com o Governo Federal ou quitação de precatórios, mas -para ser justo - servem para dar uma folga para o caixa do governo que pode deixar de utilizar recursos próprios para quitar parcela da monstruosa dívida estadual, que consome cerca de 100 milhões mensais dos recursos do tesouro.
A "brilhante" saída para convencer o judiciário a repassar os recursos ao Tesouro Estadual foi a concessão de um inexplicável aumento no repasse ao TJ, que no mês de agosto foi de R$ 45 milhões, passou no mês de setembro para R$ 48 milhões de Reais, enquanto os outros poderes não tiveram qualquer tipo de reajuste, sendo que a Assembleia até devolve parte dos recursos que recebe para ajudar a sanara a "crise financeira" que o governador alega enfrentar.
DURANTE APENAS 15 DIAS DE SETEMBRO, O GOVERNO DE AZAMBUJA UTILIZOU QUASE 300 MILHÕES DOS DEPÓSITOS JUDICIAIS.
Conforme mostra o saldo do tesouro, fica comprovado que o governo estadual utilizou quase 300 milhões dos recursos repassados somente nos últimos 15 dias do mês de setembro, uma vez que no dia 15/09/2015 o TJ transferiu a importância de R$ 50 milhões e no dia seguinte 16/09 completou os 1,4 bi, que representa os mais de 2 bi dos depósitos judiciais, valores que somados ao saldo da proveniente da arrecadação estadual ( R$ 103 mi) atingiram a importância de R$ 1.522.000.000,00
( 1,522 bi), sendo que no dia 30/09 o saldo em caixa do tesouro estadual era de R$ 1.256.000.000,00 ( 1,256 bi), tendo o Governo consumido a importância 266 milhões, possivelmente aplicados na quitação de precatórios e na parcela da dívida com o Governo Federal.
PEDALADA PANTANEIRA: MS PODE PERDER VERBA DOS DEPÓSITOS JUDICIAIS
Valdir Cardoso/
O Governo de MS
poderá ser obrigado a devolver a "bagatela" de 1.419 bi, importância
que representa 70% dos depósitos judiciários transferida para os cofres do
tesouro estadual, medida aprovada pela Assembleia Legislativa em regime de
urgência e com base na Lei Complementar 151/15 sancionada pela presidente Dilma
Rousseff, mas que vem sendo contestada por várias instituições jurídicas e
juristas de renome nacional, que alegam ser a medida inconstitucional. Já se
encontra em análise no Supremo Tribunal Federal uma ADIN, impetrada pela AMB -
Associação dos Magistrados Brasileiros - na qual é alegada a
inconstitucionalidade da Lei Complementar, que vem sendo aplicada por vários
estados dentre os quais Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro , Minas Gerais e
Paraná. O caso de Mato Grosso do Sul é mais grave porque a proposta do
Governador Reinaldo Azambuja da Silva (PSDB) e aprovada por unanimidade ampliou
o alcance da Lei Federal, que restringe a transferência somente sobre os
depósitos compulsórios referentes a ações nas quais os governos Federal,
Estadual, do Distrito Federal e Municipal, permitindo o saque de valores
referentes a ações entre particulares. A ADIN patrocinada pela AMB está nas
mãos do ministro Celso Melo, no STF.
A discussão sobre a
inconstitucionalidade da Lei Complementar é o assunto mais discutido nos meios
e nas publicações jurídicas do País, porém a verdadeira "Pedalada
Pantaneira" promovida pelo governo de Mato Grosso do Sul, que ampliou as
determinações da Lei Federal "pra todos os depósitos judiciários, mesmo
aqueles nos quais o Estado não seja parte", aumentando o valor de 700 mi
para 1,4 bi, valor que foi transferido para o tesouro estadual.
CONTAS À VISTA
Depósitos Judiciais, Litigância e a “Regra do Ouro” Financeira
Tinha razão Tom Jobim quando disse que o Brasil não era um país para
principiantes.
Vejam só: a presidente Dilma sancionou a Lei
Complementar 151, em 5 de agosto de 2015, que determina que os depósitos
judiciais e administrativos realizados em dinheiro, envolvendo matéria
tributária ou não, nos quais os estados, Distrito Federal e municípios sejam
parte, deverão ser efetuados em instituição financeira que, obrigatoriamente,
transferirá 70% do depósito aos cofres desses entes federativos, que serão
usados para pagamento de precatórios em atraso, despesas de capital ou fundos
de previdência (artigo 8º), sendo permitido usar até 10% do montante para
abastecer o fundo garantidor de PPPs (artigo 7º, parágrafo único). Consta que o
principal interessado nessa leié o estado de
São Paulo, e que a mesma teve apoio do governador Geraldo Alckmin e do senador
José Serra. O decreto paulista liberando os recursos já foi até publicado. O foco do debate
parlamentar é que mais de R$ 21 bilhões “estocados” serão liberados para que
esses entes federados cumpram seus compromissos financeiros, e cerca de R$ 1,6
bilhão serão liberados ao ano, todos os anos. Convenhamos que essas cifras não
representam trocados.
Todavia, ao mesmo tempo, o
ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no seio da ADI 5072,
convocou a realização de uma audiência
pública para discutir a utilização de parcela dos depósitos judiciais para
quitação de precatórios, pois, por meio dessa norma, o estado do Rio de Janeiro
é autorizado a utilizar os depósitos judiciais para pagamento de precatórios
até o limite de 70%.
Voltando à estupefação de Tom Jobim: como é que, ao mesmo tempo, é
sancionada uma lei que dispõe sobre o mesmo assunto que é contestado através de
ADI perante o STF, sendo, inclusive, convocada uma audiência pública para
melhor analisar a matéria no âmbito jurisdicional? Realmente, esse país não é
para principiantes.
O tema é importantíssimo sob
vários aspectos e justifica a preocupação do ministro Gilmar Mendes em convocar
a audiência pública para debater a matéria. Vou tentar expor alguns aspectos
muito preocupantes que certamente aflorarão no debate.
Qual a operação foi desenhada,
seja pela Lei Complementar 151, seja pelas diversas leis estaduais que estão
sob a mira do STF?: liberação dos depósitos judiciais já existentes e dos que
vierem a ser realizados para fazer frente a despesas correntes, principalmente
gastos com precatórios. Depósitos judiciais não são receitas públicas, mas
ingressos. Ingressos não são receitas; eles apenas transitam pelos
cofres públicos. Receitas correspondem a valores que acrescem o patrimônio
público. Outra coisa são despesas correntes, como o pagamento de precatórios,
em especial os atrasados, que, em face dessa(s) norma(s), serão quitados com
valores que não se caracterizam como receitas, mas como meros ingressos. Em
apertada síntese: com essa norma, os estados e municípios vão pagar despesas
correntes com ingressos, e não com receitas. Ingressos devem ser devolvidos;
receitas, não.
Regis de Oliveira expôs esse
mecanismo em texto que circulou dias
atrás.
A simples descrição dessa
operação demonstra o absurdo da medida, pois foi criada uma espécie de
empréstimo entre o Tesouro Público dos estados e municípios, e todos os
depositantes judiciais. Não estou falando da figura tributária do empréstimo
compulsório previsto no artigo 148 da Constituição. Falo de um empréstimo
público, que aumenta a dívida pública, e que obrigatoriamente deve ser
contabilizado como dívida nos registros desses entes públicos, o que
seguramente vai extrapolar os limites estabelecidos pelo Senado Federal para
seu endividamento (artigo 52, VI, CF). Na verdade, esses limites já foram
explodidos, pois algumas dívidas públicas não são devidamente contabilizadas,
como a dos estados com as empresas exportadoras, que possuem o direito
constitucional (artigo 155, parágrafo 2º, X, “a”) de reaver o saldo credor
de ICMS, que não é pago ou o é a conta-gotas, conforme expus em outra
coluna.
Logo, o que essa norma está
fazendo é permitir a criação daquilo que os economistas chamam de “quase
moeda”, ou seja, um meio de pagamento equivalente à moeda, tal como os
depósitos remunerados da caderneta de poupança. Isso permitirá que estados e
municípios aumentem o meio circulante por meio desse endividamento, em uma
operação que, na prática, lhes permitirá emitir moeda, podendo, em alguns
casos, se beneficiar de uma válvula processual. Explico melhor.
Suponhamos a seguinte situação,
que não é fruto de singela imaginação. Um estado cria uma espécie de taxa de
fiscalização que atingirá um número determinado de contribuintes. Usarei como
exemplo uma Taxa de Fiscalização de Recursos Minerais (TFRM), que atingirá
fortemente o setor empresarial da mineração, ou uma Taxa de Fiscalização de
Recursos Hídricos (TFRH), cujo foco é o setor hidrelétrico.
O debate seguramente será
judicializado, por várias razões jurídicas relevantes, mas a suspensão da
exigibilidade do tributo só ocorrerá através da concessão de garantias, que,
muitas vezes, são exigidas em dinheiro, e não sob a forma de seguro-garantia ou
fiança bancária — basta ver a expectativa de existir R$ 1,6 bilhão de recursos
depositados judicialmente a cada ano. Assim que a empresa depositar, 70% do
montante será imediatamente levantado por aquele estado que criou a exação e os
recursos serão desde logo utilizados. Se, ao final do processo, o estado for
derrotado e tiver que devolver o montante depositado, o governador e a
Assembleia
Legislativa já serão ocupados
por outras pessoas, e o problema foi repassado. Para usar uma expressão usual,
o problema fiscal será “pedalado”. Será um problema para o futuro,
para as futuras gerações. Eis porque a questão da dívida pública sempre traz um
problema intergeracional, não podendo jamais ser pensada para resolver
problemas de despesas correntes.
O que exemplifiquei com estados
será seguramente amplificado com a extensão dessa possibilidade para os 5.500
municípios brasileiros, cujo nível de responsabilidade fiscal é bastante
duvidoso. Conversava dias atrás, durante o XIV
Congresso Internacional de
Direito Tributário de Pernambuco, organizado pela professora Mary Elbe com o
colega Eduardo Maneira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e ele
comentava sobre uma curiosa taxa de fiscalização sobre a rede elétrica criada
por certo município, que, na prática, cobrava determinado valor sobre cada
poste de eletricidade existente naquela cidade. Seguramente a fiscalização serviria
para constatar que os postes não sairão correndo pela cidade e levando a fiação
elétrica consigo...
A Associação dos Magistrados do
Brasil ingressou com ADI para obter a declaração de inconstitucionalidade da
Lei Complementar 151. Trata-se daADI
5361, na qual se alega que aquela lei complementar fere a separação de
poderes, viola o devido processo legal e cria um empréstimo compulsório fora das
hipóteses legais. O relator é o ministro Celso de Mello, que já despachou
acatando a Ordem dos Advogados do Brasil como amicus curiae, porém
nada disse ainda acerca do pedido liminar requerido.
Quanto ao litígio contra as
leis estaduais que adotam normas semelhantes, além da ADI
5072 que ensejou a audiência pública acima referida, relativamente ao
estado do Rio de Janeiro, existe a ADI
5353, contra lei do estado de Minas Gerais, além de outras ADIs propostas
contra o estado da Paraíba (ADI
5365), o estado da Bahia e o estado do Paraná, segundo notícia
veiculada nesta ConJur. Outros estados possuem leis
semelhantes, sendo que o debate sobre sua constitucionalidade pode ainda não
ter sido levado ao STF. A discussão, com algumas variações dentre cada lei
estadual, é centrada no mesmo ponto: utilização dos depósitos judiciais pelo
Poder Executivo estadual para a quitação de dívidas.
A novidade da Lei Complementar 151 é a
permissão desse procedimento pelos municípios — além de chancelar a conduta dos
estados. O STF já entendeu na ADI 3458, cujo relator foi o ministro Eros Grau,
que a matéria de depósitos judiciais é de competência legislativa exclusiva do
Poder Judiciário, em que se discutia lei do Estado de Goiás. E na ADI 2909,
cujo relator foi o ministro Ayres Britto, referente à lei do estado do Rio
Grande do Sul, foi decidido que se trata de matéria reservada à iniciativa
legislativa da União.
Aliás, a Lei Federal 9.703/98,
que adotou prática semelhante para a União, foi julgada procedente na ADI
1.933, que teve por relator o ministro Eros Grau. Nesse julgamento, houve
debates sobre a pertinência dessas normas para os estados, porém, como não se
tratava do objeto sub judice, nada foi deliberado acerca desse
aspecto, exceto a preocupação com eventual indisponibilidade de recursos em
caso de o vitorioso na lide vier a levantar os recursos, e não haver caixa
disponível para honrar o compromisso. Esse debate se transformou em obter
dictum.
Deve-se observar que existem
outros interesses subjacentes ao que acima foi exposto, pois há uma guerra pela
titularidade desses recursos, entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo
desses estados. O Poder Executivo pretende usar esses depósitos para quitar
dívidas com precatórios e outras despesas, enquanto que o Poder Judiciário deseja
manter esses recursos sob sua tutela também porque recebe o spread bancário
sobre seu uso, sendo esses recursos carreados para fundos administrados por
esse poder. Esse é o ponto central que justifica a entrada da AMB nesse
litígio. Ocorre que o Poder Judiciário não usa os recursos, mas apenas o spread bancário;
enquanto o Poder Executivo usará os recursos para pagamento de despesas. Entre
a cruz e a caldeirinha, viva o Poder Judiciário.
O fato é que o uso desses
recursos para pagamento de precatórios e outras despesas semelhantes liberará
uma fortuna para outros gastos livres, e é exatamente isso que buscam os
gestores desses entes federados. Os litigantes, em processos contra o Fisco,
correm o risco de ver os depósitos que realizaram virar pó, em face do
descasamento do prazo entre o uso dos recursos pelo poder público e a longa
duração do processo. Se e quando forem levantar o dinheiro, pode ocorrer de
dinheiro não mais haver — dele só restar uma fotografia na parede (como Itabira,
de Carlos Drummond de Andrade), ou uma série de despachos judiciais. E esses
litigantes, vencedores em processos judiciais transitados em julgado, com
direito ao levantamento dos depósitos judiciais que realizaram, terem que
entrar em uma fila de precatórios para receber o que lhe será devido.
Se eu tivesse "tinta na
caneta", não permitiria aos entes federados utilizar o dinheiro dos
depósitos judiciais. Como advogado, sei que todos os argumentos devem ser
levados ao Poder Judiciário, que acatará uns e afastará outros. Logo,
estrategicamente, tudo que tiver a mais remota correlação com o caso em debate
deve ser apresentado nas petições. Portanto, acresceria mais um argumento aos
já expendidos nas diversas lides em curso, e que me parece de muito especial
importância.
A infringência constitucional,
segundo entendo, está no artigo 167, III, que consagra a “regra de ouro” do
Direito Financeiro, e que estabelece que só podem ser contraídas dívidas para
gastos em despesas de capital. No caso, como referido, os depósitos judiciais poderão
ser usados para o pagamento de precatórios e para a quitação de dívidas com
fundos de previdência — isto é, para gastos com despesas correntes.
Logo, não se pode fazer dívida
para realizar despesas correntes. Aí está a gritante inconstitucionalidade
dessas leis estaduais e da Lei Complementar 151/15. Não se trata da espécie
tributária empréstimo compulsório na forma do artigo 148, CF, mas de um
empréstimo público, tomado por estados e municípios de todos os depositantes
judiciais, que deve ser devolvido, e que será utilizado para gastos correntes,
o que viola a regra de ouro financeira, prevista no artigo 167, III, CF, o qual
determina que o endividamento só pode ocorrer para a realização de despesas de
capital.
Eis mais um ponto a ser
debatido por quem for participar da audiência pública convocada em boa hora
pelo ministro Gilmar Mendes, o qual, seguramente, não faz parte do grupo de
principiantes mencionados por Tom Jobim, citado no início desse texto.