Valdir Cardoso (*)
Algo que chama a atenção das pessoas que conhecem de perto a
burocracia existente e os limites aos quais se submetem os responsáveis pela
administração pública é a estranha atuação de um poder em setores que estão sob
responsabilidade direta de outro poder legalmente constituído.
Vez por outra nos deparamos com decisões do Ministério
Público, determinando que os Executivos municipal ou estadual executem obras em
benefício da população, sem entrar em um detalhe muito simples: há previsão
orçamentária para o cumprimento da determinação? Se o prefeito ou o governador, temendo algum
tipo de represália, acatar a determinação e executar obra ou serviço sem
dotação orçamentária não poderá ser penalizado por não cumprir preceitos
contidos na Lei de Responsabilidade Fiscal? Esta função de fiscalizar, de
discutir e opinar sobre a administração pública não deve ser exercida pela
Assembléia Legislativa e pelas Câmaras de Vereadores? Em caso negativo, é de se
indagar para que serve o Poder Legislativo, se o Ministério Público tem o condão
de determinar ações do Executivo?
Segundo a teoria defendida por Montesquieu (*2), combatendo
o absolutismo, o sistema Republicano é baseado na existência e funcionamento de
três poderes que devem conviver de forma harmônica e independente (Separação
dos Poderes). Em outras palavras significa que a “coisa” deve funcionar assim: cada um no seu quadrado e ponto final.
Filósofo Montesquieu
Neste momento discute-se em Campo Grande uma ação
que cobra “o fim dos alagamentos em três regiões da Capital: Jockey Club,
Coophatrabalho e Santo Antonio”, na qual o MP pleiteia ainda que o município
“não conceda licenças ambientais para instalação de novos loteamentos nestes
três bairros”, pedido inócuo uma vez que nestas micro regiões não existem áreas
disponíveis para “novos loteamentos”, principalmente no Jockey Club e Santo
Antonio, áreas urbanizadas há mais de 80 anos.
Isto tudo ocorre em um momento em que o Poder Judiciário, ao
julgar procedentes as reclamações do Ministério Público, impediu a realização
de shows no Parque de Exposições Laucídio Coelho pela falta de um alvará da
Secretaria Municipal do Meio Ambiente.
O Ministério Público de Mato Grosso do Sul, formado em sua
grande maioria por jovens com boa formação intelectual e com uma enorme vontade
de acertar, pode cometer equívocos no afã de defender o “interesse público”.
No caso da proibição dos shows artísticos no Parque Laucídio
Coelho, ficou uma dúvida no ar que um dia alguém terá que esclarecer porque em outros locais são permitidos eventos do
mesmo porte sem nenhum tipo de exigência. Se a Lei funcionasse para todos não
poderia haver shows artísticos na Praça do Rádio, carnaval na Praça do Papa,
grandes eventos no Parque das Nações Indígenas com a presença de milhares de
pessoas o que sem dúvidas agride o meio ambiente por ser aquela uma área de
preservação ambiental; isto sem falar nas promoções que são realizadas no
Estádio Pedro Pedrossian, o “Morenão”, que está localizado no complexo da UFMS
e distante apenas 300
metros do Hospital Universitário, como também na sede do
Jockey Club que é circundado por conjuntos habitacionais.
Diante das exigências do MP determinando que a Prefeitura da
Capital resolva imediatamente o problema dos alagamentos no bairro Jockey
Clube, Santo Antonio e Coophatrabalho, é interessante saber se depois de negar
o alvará para a realização de shows na Acrissul, a municipalidade será obrigada
a comprometer todo o orçamento anual da Capital, ferindo a Lei de
Responsabilidade Fiscal, ou assinará um Termo de Ajustamento de Conduta,
prometendo executar as obras ”sugeridas” após o término da atual gestão.
Mais fácil seria “requerer” ao Criador uma mudança na
topografia da região do Bairro Santo Antonio, edificado em cima de um terreno
plano e alagadiço e de difícil escoamento; ou ainda “forçar São Pedro a assinar
um TAC” se comprometendo a diminuir consideravelmente o nível das chuvas na
região. Sem chuvas, obviamente, não haverá alagamentos. Outra “solução” para
atender a exigência do MP, se acatada for pelo Juiz da Vara de Direitos
Difusos, Coletivos Homogêneos, seria “cassar” a aprovação do loteamento do
Bairro Santo Antonio, responsabilizando o prefeito que há mais de 70 anos
permitiu a urbanização do local.
Decisão judicial é para ser cumprida. Mas tudo tem limites.
(*1) O autor foi
vereador, presidente da Câmara Municipal, Deputado Estadual e prefeito de Campo
Grande. É jornalista e diretor do site www.ojornalms.com.br
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